E contar tristes histórias das mortes das bonecas

E contar tristes histórias de bonecas, que Williams mergulha radicalmente no submundo com uma graciosidade e generosidade sem iguais. Não se sabe exatamente a data em que a peça foi terminada, mas especula-se que seja entre o final dos anos 50 e o início dos anos 60, um época em que Williams já encontrava mais liberdade para tratar de um tema que ainda era maldito, como a vida dos travestis. Repleta de vida e generosidade, esta tragicomédia é um hino de amor aos excluídos. Candy, um travesti que comprou o negócio de seu ex-amante depois que este o abandonou por uma “boneca” mais nova, passa a sustentar um marinheiro machão, violento e homofóbico (espécie de primo distante do Stanley Kowalski de Um bonde chamado desejo), por quem se apaixonou. É claro que a relação tem tudo para dar errado e terminar em violências domésticas, mas Williams trata o assunto sem nenhum maniqueísmo. Não há vítimas ou culpados; não há lição de moral nem condenação a ninguém: aqui, as pessoas são o que elas são e se viram como podem face ao desejo e as circunstâncias do destino. Batida, humilhada, ultrapassada, e confrontada à súbita descoberta da sua velhice, Candy cai como o Ricardo II de Shakespeare (o título é uma referência ao célebre verso “And tell sad stories of the death of kings”), mas se levanta para celebrar o passado com os amigos de “submundo”. O gênio de Williams é de ver a luz onde ninguém vê, até mesmo nos porões do mundo, e rir e chorar em meio aos escombros, como comprova o magnífico poema recitado por Candy: “Penso que por razão ignorada/ a misericórdia dará vez nesta temporada,/ ao amável e ao desajustado/ ao brilhante e inadaptado./ Penso que, acolhidos e acalentados/ terão assim, conforto e alento/ e brando sorriso de contentamento/ ante tão ternas crianças desgarradas”.
Gênero: Tragicomédia
Número de personagens: 4

Share:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

© Blog Acervo Teatral Todos os direitos reservados